Não sei porque esse entardecer em casa, a passagem do dia
pra noite, o cricrilar dos grilos, o sol dando seus últimos suspiros por traz
das casas no horizonte, deixa a gente meio amolecido. Às vezes, qualquer coisa
banal nos leva longe. Os pensamentos veem e tomam conta da gente, quando nos
apercebemos, estamos a horas enredando histórias que se passam e por si mesmo se resolvem.
Eu estava ouvindo, quase sem me ater a letra da música já tão
conhecida, a história cantada por Zé Ramalho das três mulheres novas, bonitas e
carinhosas: Helena, Roxana e Maria Bonita. Três qualidades, essas, difíceis de
se encontrar em uma mesma mulher, se bem que são qualidades relativas, vai do
ponto de vista do espectador, se esse for um marido apaixonado então... foi
quando me veio a mente, não três mas duas mulheres aqui do bairro, que do meu ponto de vista, não tinham essas
qualidades, nem das gregas, nem da sertaneja. Uma delas estava mais entre a
estrela e a serpente, se bem que mais pra serpente. Tinhosa, cheia de veneno,
espantava não só os poucos amigos que tinha, mas também os muitos que se
juntavam ao marido para as bebedeiras costumeiras em sua casa. Possuidora de um
riso e um olhar que nos faz lembrar a descrição que Bentinho faz da esposa
Capitu “olhos de cigana, oblíqua e dissimulada”, sorria alto. Estridente até. Do
mesmo modo que falava. Essa era toda sua beleza aparente, o marido
devia de ver outras escondidas. A segunda personagem era o oposto dessa. Discreta.
O rosto sempre sério. Vida recatada com o marido que a levava todos os dias ao
serviço; no final da tarde ia buscá-la, único momento em que ele fechava a
pequena mercearia que havia montado num espaço reservado para uma garagem. Nem ele,
nem ela eram dados para bebidas, nem para farras. O deleite dele devia de ser
no corpo da mulher, bem mais jovem que ele. Ela, se reclamava de alguma coisa,
ninguém nunca soube; pois não deixava nada transparecer.
Não é que a vida apronta e os dois casais se separaram!
Na separação do primeiro casal, houve todo requinte de dramaticidade:
brigas, choros, separação primeira, retorno, separação segunda. Nessa a coisa
foi feia, ela logo arranjou de conseguir um namorado, andou em todas as casas
de festas da cidade. Namorou e foi namorada. Ele até filho fez em outra mulher.
A separação era caso sabido em todo o bairro. “Caso consumado”, na boca de
todos.
Com o segundo casal a separação foi tão discreta que nem
mesmo ele, o marido, sabia que estava acontecendo. Ela pediu conta do trabalho.
Enquanto esperavam sair o seguro desemprego e demais verbas trabalhistas, que
calculavam nuns vinte mil reais, planejavam uma reforma na casa, ampliar o
ponto da mercearia. Ele era todo sorriso, ia melhorar o negócio e teria a
mulher por companhia todas as horas do dia. Na data certa, ela se arrumou – imagino
que devam ter feito amor antes – juntou os documentos e saiu. Pegaria um táxi,
para não incomodá-lo. O escritório da empresa ficava em uma cidade vizinha onde
ela tinha parentes, voltaria em três dias. Levou apenas duas mudas de roupa.
O primeiro casal, depois de tanta confusão, vive uma segunda
lua de mel, longe dos vizinhos, é claro, se desfizeram da casa, dos móveis tudo
que lembrasse a vida antiga, acabaram com as farras. Fiquei sabendo que estão
frequentando uma igreja, logo, logo, serão batizados. Ele voltou a estudar para
entender melhor a palavra de Deus. Ela trocou os minúsculos shorts por longos
vestidos, é uma das obreiras mais fervorosas.
Já nosso amigo merceeiro vive na mais profunda tristeza, não
é que de lá a mulher pegou outro rumo! Nunca mais voltou. É de dar pena na
gente. O homem tá minguando, nem estoque repõe mais na mercearia. Todo dia
lustra a aliança – é ver pra crer, de longe brilha. Dizem que à noite, espalha
sobre a cama as roupas que a mulher deixou pra traz e dorme abraçado com elas.
Nunca concordei com a expressão Gigolô das palavras por isso digo que vc é o mestre na arte de escrever parece que as palavras brotam como flores de primavera em sua mente. Vc é D Mais amigo Aurismar. Edina
ResponderExcluirObrigado. minha amiga. Fico feliz que você tenha apreciado meu texto.
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