ORLA DO TOCANTINS DURANTE A ENCHENTE FONTE IMAGEM:www.diariodecarajas.com.br |
"Durante seis meses no ano ela me pertence, os outros pertence a ele".
Ouvi essa frase assim descontextualizada, pois ele estava cercado por alunos que o indagavam sobre o bairro. Pensei em me juntar ao grupo para saber do que de fato se tratava. Preferi, no entanto, me encostar no parapeito e deixar os pensamentos serem levados pelas águas. Fiquei imaginando quem seria essa que durante seis meses pertencia a um homem e durante outros seis meses pertenceria a outro. Seria possível isso na nossa sociedade machista, que aceita com naturalidade a traição masculina, todavia recrimina com duas medidas quando o ato parte de uma mulher? Se bem que nesse caso não seria traição, e sim, acordo, pelo menos para seu Francisco, pois o caso era sabido dele.
Não pude deixar de relacionar o caso com o triângulo amoroso entre Camilo, Rita e Vilela e o final trágico que teve Rita ao trair o marido Vilela com o melhor amigo deste, Camilo, que teve igualmente um fim trágico. Ninguém condena Vilela por ter "lavado a honra", como diziam antigamente. Ninguém aponta o dedo para Camilo para condená-lo, pelas tardes folgadas que passou se deliciando no corpo da mulher do amigo. Pelo contrário, quando ele recebe a intimação, ou convite de Vilela, "Venha já já a nossa casa preciso falar-te sem demora", como deuses atemporais queremos avisá-lo do perigo que o espera. Não o fazemos e ele vai ao encontro da morte.
"Durante seis meses no ano ela me pertence, os outros pertence a ele".
Essa frase ficava repetindo em minha mente.
Essa frase ficava repetindo em minha mente.
Entre a literatura e o mundo real, pouca coisa muda. Lembrei-me de uma cena de quando criança cheguei a presenciar. O marido havia passado um ano no garimpo, Serra Pelada, possivelmente, não me lembro, quando chegou de volta em casa, cheio do dinheiro, bamburrado, achou a mulher em dias de colocar no mundo o fruto de uma traição, do ponto de vista dele; ou de um amor louco, fuga das horas nas quais se sentia sozinha, do ponto de vista dela. A peixeira, que trazia sempre ao lado, resolveu a situação ali mesmo, no meio da rua. Ela ainda correu quando reconheceu o marido que se aproximava, só deu tempo de chegar à porta da casa, caiu tentando segurar a criança que saía de ventre materno sem receber a luz que a mãe tanto ansiara em lhe dar- era uma menina. O marido limpou a faca no vestido da mulher, guardou-a na cintura, passou no botequim da esquina, pediu uma dose de pinga, tomou e nunca mais foi visto. Os populares e vizinhos se compadeceram da criança, mais um anjinho inocente no céu, e condenaram a mulher adúltera. O pai nem foi ao velório, nem mandou ir atrás do assassino, "fez o que qualquer homem faria", talvez tenha pensado assim.
Isso foi lá por meados da década de 1980, hoje tudo se modernizou. O homem se modernizou. Ninguém "lava" mais a honra com o sangue dos traidores. A mulher está protegida pela Lei Maria da Penha. Uma coisa, todavia, continua da mesma forma: homem nenhum aceita dividir sua mulher com outro. Pelo menos eu, no meu machismo arrogante, não aceito.
É por isso que no meu pensar, seu Francisco parecia-me tão excepcional: "Durante seis meses no ano ela me pertence, os outros pertence a ele". Repeti a frase em voz alta. Um aluno que estava ao meu lado sorriu. Foi ai que veio a decepção. Não era de uma mulher que ele falava, mas de uma ilha, que durante os seis meses de estiagem lhe pertencia, e nos seis meses de cheia pertencia ao rio. Ai não tem peixeira que resolva.
Isso foi lá por meados da década de 1980, hoje tudo se modernizou. O homem se modernizou. Ninguém "lava" mais a honra com o sangue dos traidores. A mulher está protegida pela Lei Maria da Penha. Uma coisa, todavia, continua da mesma forma: homem nenhum aceita dividir sua mulher com outro. Pelo menos eu, no meu machismo arrogante, não aceito.
É por isso que no meu pensar, seu Francisco parecia-me tão excepcional: "Durante seis meses no ano ela me pertence, os outros pertence a ele". Repeti a frase em voz alta. Um aluno que estava ao meu lado sorriu. Foi ai que veio a decepção. Não era de uma mulher que ele falava, mas de uma ilha, que durante os seis meses de estiagem lhe pertencia, e nos seis meses de cheia pertencia ao rio. Ai não tem peixeira que resolva.
Verdade, ai o "acordo" é unilateral.
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