1. SOBRE A OBRA
Apesar de publicada em 1904, período
literário brasileiro que ficou conhecido como Pré-Modernismo, a obra machadiana
ESAÚ
E JACÓ foi escrita com toda a fidelidade aos moldes clássicos do
Realismo-Naturalismo de Machado de Assis. No entanto, diferentemente de DOM CASMURRO e do clássico conto A CARTOMANTE, obras nas quais Machado
explora um dos principais temas do Realismo-Naturalismo, o adultério feminino,
essa será voltada para temas políticos e sociais como a abolição da escravatura
e a proclamação da república. Talvez, o eterno conflito entre os gêmeos seja
uma alegoria às disputas entre conservadores e liberais, que vão fervilhar a
vida política do país naquele momento, última metade do século XIX, onde a obra
é ambientada.
Segue, portanto, uma estrutura
clássica, dividida em capítulos, enumerados em algarismos romanos, fazendo
citações da mitologia, embora usando da ironia, marcante em Machado de Assis.
Além disso, a linguagem é bastante rebuscada, seguindo as normas cultas da
língua, não tendo nenhum compromisso em buscar a linguagem real das
personagens, mesmo quando essas são das camadas populares e classes sociais
diferentes. A não ser no caso da toada cantada pelo pai da cabocla, enquanto
ela fazia as adivinhações para Natividade, onde o refrão representa a fala da
quebradeira de coco.
Menina
de saia branca,
Saltadeira
de riacho,
Trepa-me
neste coqueiro,
Bota-me
os cocos abaixo.
Quebra coco, sinhá,
Lá no cocá,
Se te
dá na cabeça,
Há de rachá;
Muito
hei de me ri,
Muito
hei de gostá,
Lelé,
cocô, naiá.
Sendo escrita no período em que
convalescia dona Carolina, esposa de Machado, a crítica literária faz uma
relação de um certo tom melancólico e amargurado da obra, com o momento difícil
no qual o autor vivia. Cabe lembrar, que essa foi a penúltima obra escrita por
Machado de Assis.
A narrativa começa com a visita da mãe
dos gêmeos, Natividade, a uma cabocla que tem supostos poderes de adivinhar o
futuro. A crença da mãe e sua confiança nas palavras da vidente faz lembrar a
ingênua Rita de A Cartomante, ao
consultar aquela para saber se seu romance com Vilela era sabido do marido
Camilo.
Veja a parte final do diálogo que a mãe
teve com a cabocla.
“_Então?
Diga, posso ouvir tudo.
Bárbara,
cheia de alma e riso, deu um respiro e gosto. A primeira palavra parece que lhe
chegou à boca, mas recolheu-se ao coração, virgem dos lábios dela e de alheios
ouvidos. Natividade insistiu pela resposta, que lhe dissesse tudo, sem falta...
_Coisas
futuras! _murmurou finalmente a cabocla.
_ Mas,
coisas feias?
_Oh! Não!
Não! Coisas bonitas, coisas futuras!
_ Mas isso
não basta; diga-me o resto. Essa senhora é minha irmã e de segredo, mas se é
preciso sair, ela sai; eu fico, diga-me a mim só... Serão felizes?
_ Sim.
_ Serão
grandes?
_ Serão
grandes, oh! Grandes! Deus há de dar-lhes muitos benefícios. Eles hão de subir,
subir, subir ... brigaram no ventre de sua
mãe, que tem? Cá fora também se briga. Seus filhos serão gloriosos. É só o que
lhe digo. Quanto à sua qualidade da gloria, coisas futuras!”
Veja que assim como em A Cartomante, a vidente apenas diz
o que a mulher quer ouvir, formulando suas respostas conforme lhes são feitas
as perguntas.
2. COM RELAÇÃO AO TÍTULO
O título ESAÚ E JACÓ é uma alusão aos gêmeos bíblicos filhos de Isaac, que
brigam no ventre da mãe antes do nascimento, e que, segundo consulta que a mãe
fizera a Deus, seriam pai de duas grandes nações inimigas, representadas hoje
pelos judeus e palestinos. Os gêmeos do romance chamam-se Paulo e Pedro, nome
dado pela tia Perpétua, em homenagem aos dois maiores apóstolos do
cristianismo. Assim como aqueles foram grandes homens, esses também hão de ser.
3. O NARRADOR
A autoria da história é atribuída ao
Conselheiro Aires, sendo encontrada entre seus manuscritos: seis volumes de um
Memorial mais um livro com o título Último. As obras são encontradas depois que
a personagem morre e estão caprichosamente encadernadas. O narrador é,
portanto, uma personagem da história, trata-se de um narrador-personagem
intruso; aquele tipo que interrompe constantemente a narrativa para incluir
juízo de valor nela. Mas, por ser personagem é limitado pelo foco narrativo na
primeira pessoa. Como fica claro nesse trecho: “Apesar de não sair, Pedro não a buscava sempre, nem ela ia muita vez à
casa da praia. Não se viam dias e dias. Que pensassem um no outro, é possível;
mas não possuo o menor documento disto.” É, todavia, um narrador marcado
fortemente, pelo próprio autor da obra – Machado de Assis.
4. AS PERSONAGENS
São personagens tipos. Cada uma
representa um tipo social: os jovens estudantes abastados, o banqueiro, o
político, o diplomata, a velha viúva, a mãe cuidadosa, a moça, a esposa
avarenta, o irmão das almas que se torna um rico capitalista, de modo meio
obscuro.
4.1. Os Gêmeos: são personagens mais
alegóricas, não há nenhuma profundidade na análise dessas personagens. Suas
complexidades se dão mais quando comparados um ao outro: fisicamente iguais
ideologicamente diferentes. Pedro será conservador, defendendo a monarquia, Paulo,
liberal, defendendo a república; mais tarde, quando já implantada a república,
Pedro, o conservador monarquista, aceita o novo regime, Paulo, que antes
defendia, vai fazer-lhe oposição. Paulo torna-se advogado, Pedro, médico. Por
fim os dois tornam-se deputados de por partidos que se opõem. A narrativa termina com os dois brigados, sem
que o narrador saiba nos dizer o motivo. São essas as palavras do conselheiro
Aires “_Mudar? Não mudaram nada; são os
mesmos”. O conflito é algo natural
entre eles. Parece um fado, um determinismo ao qual não podem escapar. Nasceram
para serem rivais, não importa o motivo da rivalidade, o importante é estarem
em contenda, cada um se achando o único e vendo no irmão algo a ser desprezado,
não no físico, por serem semelhantes, mas nas convicções. Em nenhum momento há
sofrimento em qualquer um deles por causa disso. São, portanto, personagens
planas, sem conflitos. Se por um lado Flora agonia-se sem ter como decidir
entre um e outro a qual entregar o seu amor, nenhum deles se dispõe em ceder um
milímetro que seja ao outro.
4.2. Flora: Objeto de amor e disputa entre
os gêmeos, acaba alucinada por não decidir entre um e outro. Flora é uma
personagem complexa. É o que conselheiro Aires chama de “uma moça inexplicável”. Ela é assim apresentada no capítulo XXXI:
“Tinham uma filha única, que era tudo o contrário deles. Nem a paixão de
D. Claudia, nem o aspecto governamental de Batista distinguia a alma ou a
figura da jovem Flora. Quem a conhecesse, por esses dias, poderia compará-la a
um vaso quebradiço ou à flor de uma só manhã, e teria matéria para uma doce
elegia.”
Mais adiante, no capítulo LIX,
Aires faz-lhe essa descrição:
“acho-lhe um sabor
particular naquele contraste de uma pessoa assim, tão humana e tão fora do
mundo,tão etérea e tão ambiciosa, ao mesmo tempo, de uma ambição recôndita...”
Para em seguida desabafar:
“Que o diabo a
entenda, se puder; eu, que sou menos que ele, não acerto de a entender nunca.”
Ama igualmente aos dois irmãos,
sente igualmente a falta tanto de um quanto de outro, tem prazer na presença de
ambos. Apesar de dividida por esse amor, o narrador lança sobre ela a suspeita
de um amor confuso, quase, penso eu, querendo deixar transparecer nela atração homossexual
pela mãe dos gêmeos a baronesa Natividade. Veja esse trecho: “Pai nem mãe podia entendê-la, os rapazes
também não, e talvez Santos e Natividade menos que ninguém. Tu, mestra de
amores ou aluna, deles, tu, que escutas a diversos, concluís que ela era...”
É assim mesmo que termina com o uso das reticências. Mais na frente diz “Pitangueira não dá manga. Não, Flora não
dava para namorados.” O verbo dar,
aqui, está no sentido de “levar jeito”. Alguém pode interpretar da seguinte
forma: Flora não namoraria mais de um rapaz,
ou ainda, Flora não tem jeito para ter
namorados, (cap. LXX). No capítulo CV quando Flora está convalescendo, e
Natividade lhe faz companhia há esse trecho:
“Veio visitar a moça,
e, a pedido desta, ficou alguns dias. _ Só a senhora me pode curar, disse
Flora; não creio nos remédios que me dão. As suas palavras e que são boas, e os
seus carinhos...”
Veja novamente o uso das reticências, isso é muito
significativo. No capítulo LXXXIV, lê-se:
“Flora cada vez
gostava mais de Natividade. Queria-lhe como se ela fosse sua mãe,
duplamente mãe, uma vez que não escolhera ainda nenhum dos filhos. A causa
podia ser que as duas índoles se ajustassem melhor que entre Flora e D.
Claudia. A princípio, sentiu não sei que inveja amiga, antes desejo, quando
via que as formas da outra, embora arruinadas pelo tempo, ainda conservavam
alguma linha da escultura antiga.”
Sofreria a menina Flora apenas de carência materna ou quis
maldosamente o narrador deixá-la sob suspeita como Bentinho deixou Capitu em Dom Casmurro, sendo essa de adultério e
aquela de lesbianismo?
Assim termina a personagem mais complexa da história:
“A morte não tardou.
Veio mais depressa do que se receava agora. Todas e o pai acudiram a rodear o
leito, onde os sinais da agonia se precipitavam. Flora acabou como uma dessas
tardes rápidas, não tanto que não façam ir doendo as saudades do dia; acabou
tão serenamente que a expressão do rosto, quando lhe fecharam os olhos, era
menos de defunta que escultura. As janelas, escancaradas, deixavam entrar o sol
e o céu.”
A morte de Flora no capítulo CVI, não põe fim a disputa
entre os irmão que continuam a disputar quem a visita mais cedo ao cemitério,
quem se demora mais na visita.
4.3. Natividade: é a personagem tipo mãe
protetora. A preocupação com os filhos é tão grande que a faz procurar a
vidente para saber-lhe o futuro e fia-se nas palavras vagas como se fosse uma
profecia divina a ser cumprida: “coisas futuras”, “serão grandes”. No penúltimo
capítulo da narrativa, “vai morta a velha Natividade”, “morreu de tifo”. Poucas
semanas antes de sua morte, Natividade participa da posse dos filhos as cadeiras
de deputados, o narrador fez a seguinte ponderação:
“Natividade não quis
confessar qje a ciência não bastava. AA glória cientifica parecia-lhe
comparativamente obscura; era calada, de gabinete, entendida de poucos.
Política, não. Quisera só a política, mas que não brigassem, que se amassem,
que subissem de mão dadas... Assim ia pensando consigo, enquanto Aires, abrindo
mão da ciência, acabou declarando que, sem amor não se faria nada.”
A vida de Natividade vai ser movida por esses dois
objetivos: unir os filhos e vê-los grandes homens.
4.4. O
Conselheiro Aires: a mais intelectual e experiente de todas as personagens
da narrativa. Diplomata aposentado, elegante e inteligente. Observa, e, em
certo ponto, manipula as pessoas que o cerca. Toma nota de tudo o que acontece
no dia a dia de seu ciclo de amizade, escrevendo o seu Memorial. Não gosta, no entanto, de se meter em discussão, por isso
prefere sempre concordar com o que as pessoas dizem. Isso pode ser considerado
um ato de desprezo, como se nada tivesse com o que acontece com o outro, como
se fora apenas um observador de tudo, um deus transcendental e não um ser
humano imanente. Não tem conflito, chega até a ter consciência de sua missão
cumprida na vida, já velho, aposentado, prepara-se para deixar a vida sem
nenhum desespero nisso.
4.5. Santos: é o típico capitalista,
bancário, preocupa-se apenas em obter lucros e status. Assim consegue o título
de barão. É o pai provedor de tudo que a família precisa. Espírita, prefere os
conselhos do mestre Plácido as palavras da vidente. Fica meio apagado do meio
para o fim da história. Personagem plana sem conflitos.
4.6. Os
Batistas: são os país de Flora, essa é a importância deles na narrativa. São
apresentados a partir do capítulo XXIX. “Batista,
o pai da donzela, era homem de quarenta e tantos anos, advogado do cível,
ex-presidente de província e membro do partido conservador”. É um político
desarticulado que tenta a indicação a qualquer custo, motivado pela mulher, D.
Cláudia, a indicação para presidência de uma província. Mais tarde, quando os
liberais assumem o poder, seguindo aos conselhos de D. Cláudia, declara-se
liberal. Na iminência que receber uma indicação para uma província do norte, é
proclamada a república e muda todo o quadro político. Ele e a esposa vão lamentar
os fatos. Não há conflito de consciência entre eles.
4.7. As
demais personagens que aparecem são mais para completar o quadro que se
emoldura em torno dessas personagens principais. Todavia, entre essas personagens menores, há
o Nóbrega, no princípio da história, o irmão das almas, que mendigava moedas
para missas das almas. E que após receber de Natividade uma doação de 2 mil-réis,
prefere embolsar essa quantia a entregá-la ao sacristão. Daí desparece da
narrativa, vindo aparecer como um rico capitalista, já no final da história e
se propõe a casar com Flora quando essa está na casa da irmã do conselheiro.
Como veio a transformar a doação feita pela Baronesa em fortuna não fica claro
na história narrada.
5. O ESPAÇO E O TEMPO DA NARRATIVA: como
quase todas as narrativas machadianas o espaço onde se ambienta a história é o
centro urbano carioca. Temos um tempo histórico cronológico bem definido,
segunda metade do século XIX até o início da República, com o governo de
Floriano Peixoto.
ESAÚ E JACÓ é uma obra sensacional
que merece ser lida e relida. Um fator a diferencia das demais obras de Machado
os fatos históricos que vão nela se desenrolando. A abolição, a republica, as
disputas pelo poder. Fica uma crítica bem ao estilo machadiano quando do
desenrolar dos fatos: a vida seguia normalmente porque por aqui as mudanças
eram só de fachada como aconteceu na Confeitaria Imperial de seu Custódio.
Aurismar Lopes Queiroz, licenciado em Letras pela Universidade federal do Pará, especialista em Estudos Linguísticos e Análise Literária pela Faculdade de Ciências Humanas de Vitória.
Muito legal, estava pesquisando sobre a obra e encontrei o seu blog, parabens. Sou vestibulando adorei.
ResponderExcluirestou me preparando pro vestibular mto bem feita essa análise
ResponderExcluirObrigado aos leitores.
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