sexta-feira, 16 de novembro de 2012

ESAÚ E JACÓ – ANÁLISE DA OBRA




1.       SOBRE A OBRA
Apesar de publicada em 1904, período literário brasileiro que ficou conhecido como Pré-Modernismo, a obra machadiana       ESAÚ E JACÓ foi escrita com toda a fidelidade aos moldes clássicos do Realismo-Naturalismo de Machado de Assis. No entanto, diferentemente de DOM CASMURRO e do clássico conto A CARTOMANTE, obras nas quais Machado explora um dos principais temas do Realismo-Naturalismo, o adultério feminino, essa será voltada para temas políticos e sociais como a abolição da escravatura e a proclamação da república. Talvez, o eterno conflito entre os gêmeos seja uma alegoria às disputas entre conservadores e liberais, que vão fervilhar a vida política do país naquele momento, última metade do século XIX, onde a obra é ambientada.
Segue, portanto, uma estrutura clássica, dividida em capítulos, enumerados em algarismos romanos, fazendo citações da mitologia, embora usando da ironia, marcante em Machado de Assis. Além disso, a linguagem é bastante rebuscada, seguindo as normas cultas da língua, não tendo nenhum compromisso em buscar a linguagem real das personagens, mesmo quando essas são das camadas populares e classes sociais diferentes. A não ser no caso da toada cantada pelo pai da cabocla, enquanto ela fazia as adivinhações para Natividade, onde o refrão representa a fala da quebradeira de coco.

Menina de saia branca,
Saltadeira de riacho,
Trepa-me neste coqueiro,
Bota-me os cocos abaixo.
          Quebra coco, sinhá,
           Lá no cocá,
Se te dá na cabeça,
            Há de rachá;
Muito hei de me ri,
Muito hei de gostá,
Lelé, cocô, naiá.

Sendo escrita no período em que convalescia dona Carolina, esposa de Machado, a crítica literária faz uma relação de um certo tom melancólico e amargurado da obra, com o momento difícil no qual o autor vivia. Cabe lembrar, que essa foi a penúltima obra escrita por Machado de Assis.
A narrativa começa com a visita da mãe dos gêmeos, Natividade, a uma cabocla que tem supostos poderes de adivinhar o futuro. A crença da mãe e sua confiança nas palavras da vidente faz lembrar a ingênua Rita de A Cartomante, ao consultar aquela para saber se seu romance com Vilela era sabido do marido Camilo.
Veja a parte final do diálogo que a mãe teve com a cabocla.

“_Então? Diga, posso ouvir tudo.
Bárbara, cheia de alma e riso, deu um respiro e gosto. A primeira palavra parece que lhe chegou à boca, mas recolheu-se ao coração, virgem dos lábios dela e de alheios ouvidos. Natividade insistiu pela resposta, que lhe dissesse tudo, sem falta...
_Coisas futuras! _murmurou finalmente a cabocla.
_ Mas, coisas feias?
_Oh! Não! Não! Coisas bonitas, coisas futuras!
_ Mas isso não basta; diga-me o resto. Essa senhora é minha irmã e de segredo, mas se é preciso sair, ela sai; eu fico, diga-me a mim só... Serão felizes?
_ Sim.
_ Serão grandes?
_ Serão grandes, oh! Grandes! Deus há de dar-lhes muitos benefícios. Eles hão de subir, subir, subir ... brigaram no ventre de  sua mãe, que tem? Cá fora também se briga. Seus filhos serão gloriosos. É só o que lhe digo. Quanto à sua qualidade da gloria, coisas futuras!”

Veja que assim como em A Cartomante, a vidente apenas diz o que a mulher quer ouvir, formulando suas respostas conforme lhes são feitas as perguntas. 

2.       COM RELAÇÃO AO TÍTULO
O título ESAÚ E JACÓ é uma alusão aos gêmeos bíblicos filhos de Isaac, que brigam no ventre da mãe antes do nascimento, e que, segundo consulta que a mãe fizera a Deus, seriam pai de duas grandes nações inimigas, representadas hoje pelos judeus e palestinos. Os gêmeos do romance chamam-se Paulo e Pedro, nome dado pela tia Perpétua, em homenagem aos dois maiores apóstolos do cristianismo. Assim como aqueles foram grandes homens, esses também hão de ser.
3.       O NARRADOR
A autoria da história é atribuída ao Conselheiro Aires, sendo encontrada entre seus manuscritos: seis volumes de um Memorial mais um livro com o título Último. As obras são encontradas depois que a personagem morre e estão caprichosamente encadernadas. O narrador é, portanto, uma personagem da história, trata-se de um narrador-personagem intruso; aquele tipo que interrompe constantemente a narrativa para incluir juízo de valor nela. Mas, por ser personagem é limitado pelo foco narrativo na primeira pessoa. Como fica claro nesse trecho: “Apesar de não sair, Pedro não a buscava sempre, nem ela ia muita vez à casa da praia. Não se viam dias e dias. Que pensassem um no outro, é possível; mas não possuo o menor documento disto.” É, todavia, um narrador marcado fortemente, pelo próprio autor da obra – Machado de Assis.

4.       AS PERSONAGENS
São personagens tipos. Cada uma representa um tipo social: os jovens estudantes abastados, o banqueiro, o político, o diplomata, a velha viúva, a mãe cuidadosa, a moça, a esposa avarenta, o irmão das almas que se torna um rico capitalista, de modo meio obscuro.
4.1. Os Gêmeos: são personagens mais alegóricas, não há nenhuma profundidade na análise dessas personagens. Suas complexidades se dão mais quando comparados um ao outro: fisicamente iguais ideologicamente diferentes. Pedro será conservador, defendendo a monarquia, Paulo, liberal, defendendo a república; mais tarde, quando já implantada a república, Pedro, o conservador monarquista, aceita o novo regime, Paulo, que antes defendia, vai fazer-lhe oposição. Paulo torna-se advogado, Pedro, médico. Por fim os dois tornam-se deputados de por partidos que se opõem.  A narrativa termina com os dois brigados, sem que o narrador saiba nos dizer o motivo. São essas as palavras do conselheiro Aires “_Mudar? Não mudaram nada; são os mesmos”.  O conflito é algo natural entre eles. Parece um fado, um determinismo ao qual não podem escapar. Nasceram para serem rivais, não importa o motivo da rivalidade, o importante é estarem em contenda, cada um se achando o único e vendo no irmão algo a ser desprezado, não no físico, por serem semelhantes, mas nas convicções. Em nenhum momento há sofrimento em qualquer um deles por causa disso. São, portanto, personagens planas, sem conflitos. Se por um lado Flora agonia-se sem ter como decidir entre um e outro a qual entregar o seu amor, nenhum deles se dispõe em ceder um milímetro que seja ao outro.
4.2. Flora: Objeto de amor e disputa entre os gêmeos, acaba alucinada por não decidir entre um e outro. Flora é uma personagem complexa. É o que conselheiro Aires chama de “uma moça inexplicável”. Ela é assim apresentada no capítulo XXXI:

Tinham uma filha única, que era tudo o contrário deles. Nem a paixão de D. Claudia, nem o aspecto governamental de Batista distinguia a alma ou a figura da jovem Flora. Quem a conhecesse, por esses dias, poderia compará-la a um vaso quebradiço ou à flor de uma só manhã, e teria matéria para uma doce elegia.”

Mais adiante, no capítulo LIX, Aires faz-lhe essa descrição:

“acho-lhe um sabor particular naquele contraste de uma pessoa assim, tão humana e tão fora do mundo,tão etérea e tão ambiciosa, ao mesmo tempo, de uma ambição recôndita...”

Para em seguida desabafar:

“Que o diabo a entenda, se puder; eu, que sou menos que ele, não acerto de a entender nunca.”

Ama igualmente aos dois irmãos, sente igualmente a falta tanto de um quanto de outro, tem prazer na presença de ambos. Apesar de dividida por esse amor, o narrador lança sobre ela a suspeita de um amor confuso, quase, penso eu, querendo deixar transparecer nela atração homossexual pela mãe dos gêmeos a baronesa Natividade. Veja esse trecho: “Pai nem mãe podia entendê-la, os rapazes também não, e talvez Santos e Natividade menos que ninguém. Tu, mestra de amores ou aluna, deles, tu, que escutas a diversos, concluís que ela era...” É assim mesmo que termina com o uso das reticências. Mais na frente diz “Pitangueira não dá manga. Não, Flora não dava para namorados.” O verbo dar, aqui, está no sentido de “levar jeito”. Alguém pode interpretar da seguinte forma: Flora não namoraria mais de um rapaz, ou ainda, Flora não tem jeito para ter namorados, (cap. LXX). No capítulo CV quando Flora está convalescendo, e Natividade lhe faz companhia há esse trecho:
“Veio visitar a moça, e, a pedido desta, ficou alguns dias. _ Só a senhora me pode curar, disse Flora; não creio nos remédios que me dão. As suas palavras e que são boas, e os seus carinhos...”

Veja novamente o uso das reticências, isso é muito significativo. No capítulo LXXXIV, lê-se:
“Flora cada vez gostava mais de Natividade. Queria-lhe como se ela fosse sua mãe, duplamente mãe, uma vez que não escolhera ainda nenhum dos filhos. A causa podia ser que as duas índoles se ajustassem melhor que entre Flora e D. Claudia. A princípio, sentiu não sei que inveja amiga, antes desejo, quando via que as formas da outra, embora arruinadas pelo tempo, ainda conservavam alguma linha da escultura antiga.”

Sofreria a menina Flora apenas de carência materna ou quis maldosamente o narrador deixá-la sob suspeita como Bentinho deixou Capitu em Dom Casmurro, sendo essa de adultério e aquela de lesbianismo?
Assim termina a personagem mais complexa da história:

“A morte não tardou. Veio mais depressa do que se receava agora. Todas e o pai acudiram a rodear o leito, onde os sinais da agonia se precipitavam. Flora acabou como uma dessas tardes rápidas, não tanto que não façam ir doendo as saudades do dia; acabou tão serenamente que a expressão do rosto, quando lhe fecharam os olhos, era menos de defunta que escultura. As janelas, escancaradas, deixavam entrar o sol e o céu.”

A morte de Flora no capítulo CVI, não põe fim a disputa entre os irmão que continuam a disputar quem a visita mais cedo ao cemitério, quem se demora mais na visita.

4.3. Natividade: é a personagem tipo mãe protetora. A preocupação com os filhos é tão grande que a faz procurar a vidente para saber-lhe o futuro e fia-se nas palavras vagas como se fosse uma profecia divina a ser cumprida: “coisas futuras”, “serão grandes”. No penúltimo capítulo da narrativa, “vai morta a velha Natividade”, “morreu de tifo”. Poucas semanas antes de sua morte, Natividade participa da posse dos filhos as cadeiras de deputados, o narrador fez a seguinte ponderação:
Natividade não quis confessar qje a ciência não bastava. AA glória cientifica parecia-lhe comparativamente obscura; era calada, de gabinete, entendida de poucos. Política, não. Quisera só a política, mas que não brigassem, que se amassem, que subissem de mão dadas... Assim ia pensando consigo, enquanto Aires, abrindo mão da ciência, acabou declarando que, sem amor não se faria nada.”
A vida de Natividade vai ser movida por esses dois objetivos: unir os filhos e vê-los grandes homens.

4.4.  O Conselheiro Aires: a mais intelectual e experiente de todas as personagens da narrativa. Diplomata aposentado, elegante e inteligente. Observa, e, em certo ponto, manipula as pessoas que o cerca. Toma nota de tudo o que acontece no dia a dia de seu ciclo de amizade, escrevendo o seu Memorial. Não gosta, no entanto, de se meter em discussão, por isso prefere sempre concordar com o que as pessoas dizem. Isso pode ser considerado um ato de desprezo, como se nada tivesse com o que acontece com o outro, como se fora apenas um observador de tudo, um deus transcendental e não um ser humano imanente. Não tem conflito, chega até a ter consciência de sua missão cumprida na vida, já velho, aposentado, prepara-se para deixar a vida sem nenhum desespero nisso.
4.5. Santos: é o típico capitalista, bancário, preocupa-se apenas em obter lucros e status. Assim consegue o título de barão. É o pai provedor de tudo que a família precisa. Espírita, prefere os conselhos do mestre Plácido as palavras da vidente. Fica meio apagado do meio para o fim da história. Personagem plana sem conflitos.
4.6.   Os Batistas: são os país de Flora, essa é a importância deles na narrativa. São apresentados a partir do capítulo XXIX. “Batista, o pai da donzela, era homem de quarenta e tantos anos, advogado do cível, ex-presidente de província e membro do partido conservador”. É um político desarticulado que tenta a indicação a qualquer custo, motivado pela mulher, D. Cláudia, a indicação para presidência de uma província. Mais tarde, quando os liberais assumem o poder, seguindo aos conselhos de D. Cláudia, declara-se liberal. Na iminência que receber uma indicação para uma província do norte, é proclamada a república e muda todo o quadro político. Ele e a esposa vão lamentar os fatos. Não há conflito de consciência entre eles.
4.7. As demais personagens que aparecem são mais para completar o quadro que se emoldura em torno dessas personagens principais.  Todavia, entre essas personagens menores, há o Nóbrega, no princípio da história, o irmão das almas, que mendigava moedas para missas das almas. E que após receber de Natividade uma doação de 2 mil-réis, prefere embolsar essa quantia a entregá-la ao sacristão. Daí desparece da narrativa, vindo aparecer como um rico capitalista, já no final da história e se propõe a casar com Flora quando essa está na casa da irmã do conselheiro. Como veio a transformar a doação feita pela Baronesa em fortuna não fica claro na história narrada.
5.       O ESPAÇO E O TEMPO DA NARRATIVA: como quase todas as narrativas machadianas o espaço onde se ambienta a história é o centro urbano carioca. Temos um tempo histórico cronológico bem definido, segunda metade do século XIX até o início da República, com o governo de Floriano Peixoto.

ESAÚ E JACÓ é uma obra sensacional que merece ser lida e relida. Um fator a diferencia das demais obras de Machado os fatos históricos que vão nela se desenrolando. A abolição, a republica, as disputas pelo poder. Fica uma crítica bem ao estilo machadiano quando do desenrolar dos fatos: a vida seguia normalmente porque por aqui as mudanças eram só de fachada como aconteceu na Confeitaria Imperial de seu Custódio.    
Aurismar Lopes Queiroz, licenciado em Letras pela Universidade federal do Pará, especialista em Estudos Linguísticos e Análise Literária pela Faculdade de Ciências Humanas de Vitória. 

3 comentários:

  1. Marcos Rafael de Ananideuanovembro 17, 2012

    Muito legal, estava pesquisando sobre a obra e encontrei o seu blog, parabens. Sou vestibulando adorei.

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  2. estou me preparando pro vestibular mto bem feita essa análise

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